domingo, 10 de outubro de 2010
Carros correm depressa na janela do meu domingo. Por que corre-se tão depressa assim? Aonde se quer chegar? E quase nunca chegamos. Não, não chegamos. Limitamo-nos a correr, simplesmente correr, na doce ilusão de que um dia se chega. Mas não se chega - inventa-se. Mas qual chegada, Deus meu? Logo eu, parado, aqui, escrevendo sem-saber-aonde-chegar. Então invento, invento, invento. Epizeuxe. Invento que escrevo, invento que chego. Se eu escrever, se eu chegar? O que há depois? Tenho medo de descobrir. Nem mesmo quero saber. Nem eu nem os carros que correm tão depressa na janela do meu domingo (é por isso que eles correm). E vou adiando o fim, não quero parar: eu não quero chegar. Deixa a chegada longe de mim. Recuso qualquer indicação-ponto-de-chegada. Prefiro mesmo partir, mas eu quero a partida sem chegada, sem cobranças. Você me entende, sim? Ah, deixe de conversas. Se eu mesmo não me entendo. Sou um mistério de mim mesmo (ou alguma coisa assim que Clarice já escreveu). Uma pausa e continuo. E aonde chegamos? Melhor, onde estávamos? Aonde, onde, que se dane toda a normazinha culta do portuguesinho aonde/onde nós bem sabemos. Quando eu quiser, chego. Chego não de chegar, chego de invenção de chegar - o que normalmente não faz sentido (estou me livrando das vírgulas: não quero mais chegar a separar advérbios, e se são advérbios não estão juntos? então, assim mesmo: sem vírgulas, porque eu quero uma vida sem vírgulas, e não me atire o seu objeto direto, não preciso da sua aprovação, o predicativo é todo meu, meu, assim: m-e-u). A minha sintaxe é louca, desordenada. Descontínua. Ela, como eu, também respira. Ar que invade os pulmões, como o dióxido de carbono também, do correr dos carros da janela do domingo meu. Não quero chegar - chegar - chegar - chegar pro cheguei. Deus, estou chegando, acho. O que é isso senão a linha de chegada. É, é ela. Posso ver sua indicação amarela a cegar-me. Chegando, chegando, gerúndio. Uma buzina rompe o meu silêncio: parece que se chega (uma vez só), assim, como faço agora, chegando. Cheguei.
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